sexta-feira, 17 de maio de 2013

A SAÚDE MENTAL DE CAMPINAS: RESISTÊNCIA E POTÊNCIA DE AÇÃO COLETIVA

Uma das cidades de maior pioneirismo e sucesso na implementação da Reforma Psiquiátrica brasileira enfrenta talvez uma de suas piores crises político-assistenciais desde que realizamos a implementação de um modelo de tratamento comunitário pautado na lógica de atenção em rede. Destaca-se que o ataque à Campinas é um ataque importante à Reforma Psiquiátrica Brasileira, já que essa é uma cidade “modelo” , uma cidade que sustentou a ideia de que o SUS e a rede comunitária de atenção psicossocial podem dar certo, ou, nas palavras de Sandra Fagundes, uma cidade que sustentou e deu vida aos nossos sonhos, enquanto militantes da luta antimanicomial. Campinas é um dos poucos municípios brasileiros que conta com uma rede de saúde mental sólida, composta por 06 Caps-III, 03 Caps-AD, 02 Caps-infantil, Consultório na rua, 11 Centros de Convivência (a cidade com a maior concentração de Centros de Convivência por habitantes no Brasil), enfermarias de saúde mental, Núcleo de Retaguarda, Oficinas de Geração de Renda , Apoio de saúde mental em todos os distritos, mais de 30 Serviços Residenciais Terapêuticos e equipes mínimas de saúde mental na Atenção Básica – sendo por isso, um cenário utilizado para processos de formação de diferentes universidades e pesquisas em todo Brasil. Para quem conhece o contexto nacional e a potência terapêutica que cada um desses arrajos e dispositivos pode gerar, sabe que isso é uma conquista rara e historicamente construída com o esforço de milhares de gestores, trabalhadores, familiares e usuários de saúde mental ao longo das últimas décadas. Isso não representa apenas um grande volume de serviços, mas uma mudança de paradigma assistencial, um acúmulo de saberes e práticas dos quais o município deveria se orgulhar e proliferar. Não é segredo para ninguém que o sucesso das ações em saúde mental campineiras, internacionalmente legitimadas, só foi possível a partir da luta e trabalho de trabalhares engajados às necessidades de usuários e do convênio de co-gestão entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Serviço de Saúde Dr. Cândico Ferreira (SSCF). Esse convênio, que não se compara com nenhum dos modelos atuais de O.S e privatizações (com legislação única), gerou um movimento importante de publicização de um ente privado, fazendo nascer uma instituição 100% SUS, comprometida com a dimensão pública da saúde como um direito e com a Reforma Psiquiátrica. Ideais do SUS como a porta aberta, a clínica ampliada, Projetos Terapêuticos Singulares, apoio matricial, acolhimento e atenção em rede foram postos em prática com sucesso nessa experiência. Diversos aspectos dessa co-gestão podem ser criticados, no sentido de qualificar as condições de trabalho e assistência, mas a potência e o projeto de atenção psicossocial que essa co-gestão viabilizou precisa ser defendido. Em poucos meses de atuação, a atual gestão conseguiu dar golpes duros na rede de saúde mental campineira, que tem se mobilizado politicamente para resistir a ameaça de sucateamento e terceirização da rede de saúde mental da cidade A proposta da prefeitura, que se respalda em argumentos legalistas/jurídicos é uma proposta que procura estar “de acordo” com a lei , mas não de acordo com nossos princípios de transformação social, responsabilidade sanitária e humanização. Sob o pretexto de “adequar-se” às normas jurídicas a prefeitura basicamente: - Pretende retirar (demitir) da Atenção Básica todos os profissionais da saúde mental contratados pelo SSCF (com realização de concursos a posteriori que não cobrem nem metade dos funcionários que estão sendo retirados) - Retirar dos prédios públicos todos os serviços de Saúde Mental que agora foram assumidos pela Gestão do SSCF (incluindo Centro de Convivência Tear das Artes, Caps-Sul e Caps-Integração) - Retirar dos Distritos os apoiadores de Saúde Mental - Retirar dos serviços de saúde mental todos os servidores públicos (alguns com mais de 15 anos de dedicação á saúde mental do município). Se esse tipo de adequação jurídica fosse realizada com responsabilidade sanitária, respeito ao vínculo, e na direção da publicização do sistema de saúde mental campineiro, seria diferente, mas trata-se do oposto, um movimento de desresponsabilização da secretaria de Saúde de seu compromisso com a saúde mental, feita de maneira pouco cuidadosa. Aliado a isso, a despeito das decisões dos Conselhos de Saúde e da rede de trabalhadores, o município aliou-se ao governo do Estado, já anunciando a parceira com as Comunidades Terapêuticas e a inclusão de Campinas no Programa Recomesso do estado de São Paulo – Onde são implementados serviços como o CRATOD - para os mentaleiros comprometidos com a reforma o “poupa tempo para as internações involuntárias e compulsórias”. Para um município como Campinas, com uma rede robusta de atenção psicossocial, esse é um grande retrocesso ou, como aponta o relatório de Genebra da ONU, uma prática degradante e desumana de abuso de poder das práticas de cuidado em saúde. Campinas precisa contar agora com uma movimentação nacional de diferentes movimentos e instituições em apoio à nossa cidade, em apoio a Saúde Mental que queremos. Divulguem e nos ajudem manifestando-se! Sabrina Ferigato

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