sexta-feira, 17 de maio de 2013

Nova 'Bíblia da psiquiatria' amplia lista de transtornos e gera polêmica

A quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em tradução livre), conhecido como a "Bíblia da psiquiatria", será lançada neste fim de semana, nos EUA, cercada de muita polêmica. Há meses, especialistas e leigos vêm discutindo como as mudanças previstas na nova edição manual, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, ou APA, na sigla em inglês), poderão impactar o diagnóstico de doenças mentais, em um momento em que, segundo estudo da Universidade de Harvard, quase metade dos americanos adultos em algum momento da vida sofrem de algum transtorno mental. Segundo seus críticos, o novo manual - que será lançado durante o encontro anual da APA, de 18 a 22 de maio, em San Francisco, na Califórnia - amplia ainda mais o número de doenças mentais, além de aumentar as chances de alguém ser diagnosticado com os transtornos já existentes, reduzindo o número de sintomas necessários para que um paciente se encaixe em determinado diagnóstico. Com isso, cresceria o número de pessoas tratadas com medicamentos para transtornos mentais - e, consequentemente, o mercado para a indústria farmacêutica. Uma das principais críticas é a de que o DSM-5 estaria transformando em doenças comportamentos até agora considerados comuns, como o sofrimento após a perda de alguém próximo (a partir de agora, o luto que durar mais de duas semanas será considerado sintoma de depressão), colocando em discussão a fronteira entre o que é considerado "normal" e o que pode ser definido como doença mental. "As fronteiras da psiquiatria continuam a se expandir; a esfera do normal está encolhendo", disse o psiquiatra Allen Frances, que comandou a comissão responsável pela quarta edição do DSM, em uma carta ao jornal The New York Times. "Como presidente da Força-Tarefa do DSM-IV, eu devo assumir responsabilidade parcial por essa inflação de diagnósticos. Decisões que pareciam fazer sentido foram exploradas por empresas farmacêuticas em campanhas de marketing agressivas e enganosas. Elas venderam a ideia de que problemas da vida cotidiana são na verdade doenças mentais, causadas por desequilíbrios químicos e curadas com uma pílula", diz Frances, que é professor emérito da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, e um dos maiores críticos do DSM-5. Influência Publicado desde 1952 pela APA, que é considerada a organização psiquiátrica mais influente do mundo, o DSM é usado por médicos de todo o planeta, inclusive do Brasil, além de servir como base para a classificação de doenças mentais incluídas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Com tamanho impacto no diagnóstico e tratamento de doenças mentais no mundo todo, o DSM sempre foi alvo de polêmicas a cada nova edição. A última, de 1994, foi revisada em 2000. "As edições anteriores foram provavelmente ainda piores que o DSM-5 vai ser", disse à BBC Brasil a psicóloga Paula Caplan, da Universidade de Harvard, que durante dois anos participou da comissão responsável pela elaboração da edição anterior. Caplan diz ter abandonado a comissão "por questões éticas e profissionais" e por ter testemunhado o que classifica de "distorções" em pesquisas. Ela aborda o tema no livro They Say You are Crazy: How the World's Most Powerful Psychiatrists Decide Who's Normal ("Eles dizem que você é louco: Como os psiquiatras mais poderosos do mundo decidem quem é normal", em tradução livre). "Há pelo menos 20 anos, tem se tratado como doença mental quase todo tipo de comportamento ou sentimento humano", diz Caplan. Alternativa Desta vez, porém, as críticas vieram até da maior organização de pesquisa em saúde mental do mundo, o National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental, ou NIMH, na sigla em inglês), ligado ao governo americano. Na semana passada, o diretor do NIMH, Thomas Insel, anunciou que o instituto está "reorientando suas pesquisas" e se distanciando das categorias do DSM. "A fraqueza (do DSM) é sua falta de fundamentação", escreveu Insel em seu blog. "Seus diagnósticos são baseados no consenso sobre grupos de sintomas clínicos, não em qualquer avaliação objetiva em laboratório." "Os pacientes com doenças mentais merecem algo melhor", disse Insel, ao mencionar o Projeto de Pesquisa em Domínio de Critérios (Research Domain Criteria, ou RDoC, na sigla em inglês), em que o NIMH pretende desenvolver um sistema de classificação de doenças mentais mais preciso, que inclua genética, ciência cognitiva "e outros níveis de informação". Em resposta às críticas de Insel, o presidente do grupo que elabora o DSM-5, David Kupfer, professor de psiquiatria na Universidade de Pittsburgh, disse que esforços como o do RDoC são "vitais para o contínuo progresso da nossa compreensão coletiva dos transtornos mentais", mas ressaltou que "não podem nos servir aqui e agora e não podem substituir o DSM-5". "O novo manual (DSM-5) representa o mais sólido sistema atualmente disponível para classificar doenças (mentais). Reflete o progresso que fizemos em várias áreas importantes", disse Kupfer. Mesmo críticos como Frances ou Insel reconhecem que, apesar dos problemas, o DSM ainda é a melhor alternativa disponível no momento. Para que recebam reembolso das seguradoras de saúde por tratamentos, os pacientes precisam que as doenças das quais sofrem sejam diagnosticadas oficialmente. O mesmo vale para alguns programas e benefícios governamentais nos EUA, o que faz com que muitos defendam a ampliação do número de diagnósticos. "O impacto do DSM é muito amplo", disse à BBC Brasil o psicoterapeuta Gary Greenberg, autor do livro The Book of Woe: The DSM and the Unmaking of Psychiatry ("O livro do Infortúnio: O DSM e o desfazer da psiquiatria", em tradução livre). "As pessoas não deveriam se preocupar especificamente com o DSM-5, as versões anteriores já fizeram seu estrago. O que o DSM-5 está fazendo é chamar a atenção para os problemas atuais da psiquiatria, mas isso deve preocupar mais os psiquiatras do que os pacientes", disse. Fonte: BBC Brasil

A SAÚDE MENTAL DE CAMPINAS: RESISTÊNCIA E POTÊNCIA DE AÇÃO COLETIVA

Uma das cidades de maior pioneirismo e sucesso na implementação da Reforma Psiquiátrica brasileira enfrenta talvez uma de suas piores crises político-assistenciais desde que realizamos a implementação de um modelo de tratamento comunitário pautado na lógica de atenção em rede. Destaca-se que o ataque à Campinas é um ataque importante à Reforma Psiquiátrica Brasileira, já que essa é uma cidade “modelo” , uma cidade que sustentou a ideia de que o SUS e a rede comunitária de atenção psicossocial podem dar certo, ou, nas palavras de Sandra Fagundes, uma cidade que sustentou e deu vida aos nossos sonhos, enquanto militantes da luta antimanicomial. Campinas é um dos poucos municípios brasileiros que conta com uma rede de saúde mental sólida, composta por 06 Caps-III, 03 Caps-AD, 02 Caps-infantil, Consultório na rua, 11 Centros de Convivência (a cidade com a maior concentração de Centros de Convivência por habitantes no Brasil), enfermarias de saúde mental, Núcleo de Retaguarda, Oficinas de Geração de Renda , Apoio de saúde mental em todos os distritos, mais de 30 Serviços Residenciais Terapêuticos e equipes mínimas de saúde mental na Atenção Básica – sendo por isso, um cenário utilizado para processos de formação de diferentes universidades e pesquisas em todo Brasil. Para quem conhece o contexto nacional e a potência terapêutica que cada um desses arrajos e dispositivos pode gerar, sabe que isso é uma conquista rara e historicamente construída com o esforço de milhares de gestores, trabalhadores, familiares e usuários de saúde mental ao longo das últimas décadas. Isso não representa apenas um grande volume de serviços, mas uma mudança de paradigma assistencial, um acúmulo de saberes e práticas dos quais o município deveria se orgulhar e proliferar. Não é segredo para ninguém que o sucesso das ações em saúde mental campineiras, internacionalmente legitimadas, só foi possível a partir da luta e trabalho de trabalhares engajados às necessidades de usuários e do convênio de co-gestão entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Serviço de Saúde Dr. Cândico Ferreira (SSCF). Esse convênio, que não se compara com nenhum dos modelos atuais de O.S e privatizações (com legislação única), gerou um movimento importante de publicização de um ente privado, fazendo nascer uma instituição 100% SUS, comprometida com a dimensão pública da saúde como um direito e com a Reforma Psiquiátrica. Ideais do SUS como a porta aberta, a clínica ampliada, Projetos Terapêuticos Singulares, apoio matricial, acolhimento e atenção em rede foram postos em prática com sucesso nessa experiência. Diversos aspectos dessa co-gestão podem ser criticados, no sentido de qualificar as condições de trabalho e assistência, mas a potência e o projeto de atenção psicossocial que essa co-gestão viabilizou precisa ser defendido. Em poucos meses de atuação, a atual gestão conseguiu dar golpes duros na rede de saúde mental campineira, que tem se mobilizado politicamente para resistir a ameaça de sucateamento e terceirização da rede de saúde mental da cidade A proposta da prefeitura, que se respalda em argumentos legalistas/jurídicos é uma proposta que procura estar “de acordo” com a lei , mas não de acordo com nossos princípios de transformação social, responsabilidade sanitária e humanização. Sob o pretexto de “adequar-se” às normas jurídicas a prefeitura basicamente: - Pretende retirar (demitir) da Atenção Básica todos os profissionais da saúde mental contratados pelo SSCF (com realização de concursos a posteriori que não cobrem nem metade dos funcionários que estão sendo retirados) - Retirar dos prédios públicos todos os serviços de Saúde Mental que agora foram assumidos pela Gestão do SSCF (incluindo Centro de Convivência Tear das Artes, Caps-Sul e Caps-Integração) - Retirar dos Distritos os apoiadores de Saúde Mental - Retirar dos serviços de saúde mental todos os servidores públicos (alguns com mais de 15 anos de dedicação á saúde mental do município). Se esse tipo de adequação jurídica fosse realizada com responsabilidade sanitária, respeito ao vínculo, e na direção da publicização do sistema de saúde mental campineiro, seria diferente, mas trata-se do oposto, um movimento de desresponsabilização da secretaria de Saúde de seu compromisso com a saúde mental, feita de maneira pouco cuidadosa. Aliado a isso, a despeito das decisões dos Conselhos de Saúde e da rede de trabalhadores, o município aliou-se ao governo do Estado, já anunciando a parceira com as Comunidades Terapêuticas e a inclusão de Campinas no Programa Recomesso do estado de São Paulo – Onde são implementados serviços como o CRATOD - para os mentaleiros comprometidos com a reforma o “poupa tempo para as internações involuntárias e compulsórias”. Para um município como Campinas, com uma rede robusta de atenção psicossocial, esse é um grande retrocesso ou, como aponta o relatório de Genebra da ONU, uma prática degradante e desumana de abuso de poder das práticas de cuidado em saúde. Campinas precisa contar agora com uma movimentação nacional de diferentes movimentos e instituições em apoio à nossa cidade, em apoio a Saúde Mental que queremos. Divulguem e nos ajudem manifestando-se! Sabrina Ferigato

Luta Antimanicomial enfraquece o estigma da "loucura"

Por muito tempo, as pessoas que sofriam de tormentos psíquicos eram excluídas totalmente da sociedade, obrigadas a viver em regimes de clausura em manicômicos e tratadas por terapia quase que unicamente medicamentosa. A Semana de Luta Antimanicomial, comemorada anualmente de 13 a 18 de maio, lembra a mudança de paradigma no tratamento dispensado a esses cidadãos. De loucos e perigosos, essas pessoas passaram a contar no serviço público com uma política que objetiva maior humanização no acolhimento, tratamento e acompanhamento dos seus problemas. O marco da política nacional de saúde mental vem da 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987, de onde saiu em seu relatório final a proposta de política de saúde mental da Nova República. Em 2001, o país ganhava uma legislação específica sobre a reforma dos serviços de atenção psicossocial em saúde mental, a Lei 10.216. O presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Paulo Amarante, lembra que na redemocratização, em 1989, as novas prefeituras começaram a realizar o fechamento de hospitais psiquiátricos. “Esse é o exemplo de Santos (São Paulo) onde foi fechado um hospital psiquiátrico e o fechamento correspondeu à abertura de vários serviços de atenção psicossocial”, conta.